Recentemente, tive a oportunidade de ler o livro Percebes, da cronista do jornal “A notícia” Simone Gehrke. O livro é daqueles que dá gosto de ler. Ouso dizer que é a Martha Medeiros da nossa cidade. Compactuo com a escritora o amor pela palavra.
Sempre gostei de escrever. Escrevo desde criança, quando publicava textos no jornalzinho do colégio Bom Jesus. Esse foi um dos motivos pelo qual resolvi me tornar advogado. Aprendi na advocacia a expressar meus sentimentos e pensamentos com destemor. Não escrevo para agradar, mas sim para defender uma ideia. Faço isso em minhas petições, livros, aulas e também em artigos científicos e de jornal.
Pouco me importo quando sou criticado por meus pensamentos. Qualquer advogado ama a pluralidade e percebe que a verdade tem muitas faces. Respeito aqueles que defendem a verdade alheia do mesmo modo que quero ver respeitada a minha verdade.
Dá uma certa tristeza, no entanto, quando não sou compreendido por aqueles que leem os meus trabalhos. Felizmente, isso não ocorre com frequência. Porém, quando acontece, fico a lamentar internamente pela incapacidade de transmitir de modo fidedigno o meu pensamento.
Concordo plenamente com o alerta que Simone faz em seus textos, de que devemos refletir, pelo menos duas vezes, antes de liberar uma palavra para o destinatário, considerando que a palavra é metade de quem escreve e metade de quem lê.
O problema é que, atualmente, cada vez menos pessoas têm preparo para ler. Por mais que o escritor se esforce em simplificar o texto, há regras gramaticais básicas que devem nortear, não somente aquele que escreve, mas também o leitor. Quando este desconhece o referencial adotado, certamente chegará a conclusões equivocadas. Por exemplo, formas de expressão como “cada vez mais pessoas” ou “há pessoas” não têm um sujeito determinado. São fórmulas gerais que excluem o autor. Frases que iniciam com expressões como as citadas indicam apenas que o escritor está a relacionar o pensamento de outros. Por outro lado, quando utiliza o pronome “eu”, ainda que de forma oculta, retrata o próprio pensamento. Isso também ocorre quando utiliza o pronome “nós”, relata o que pensa uma coletividade dentro da qual se insere.
Em situações como essas, o escritor fica “vendido”, pois não é tem condições de imaginar quais referenciais serão utilizados pelo leitor. Como metade da palavra é do leitor, o único modo de transmitir uma mensagem é utilizar a regra padrão e torcer para que a maior parte dos leitores também a utilize. A alternativa é substituir parte do texto dos jornais pelos emoticons usados na internet.
Artigo publicado no Jornal A Notícia
em 5 de novembro de 2014