Há cem anos nascia Millôr Fernandes
“A estupidez vai longe e não paga passagem. Um mal necessário não vira um bem. Todo mundo é fascinado por estrela cadente. Ninguém por estrela caída. Abreviação: palavra comprida para coisa curta. Não beber é o vício dos abstinentes. O acaso é uma besteira de Deus. Não há problema tão grande que não caiba no dia seguinte. Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos muito bem. Um homem é adulto no dia em que começa a gastar mais do que ganha. Quando duas pessoas odeiam a mesma pessoa, têm a impressão de que se estimam. Os banqueiros não perdem por esperar: ganham. Tão americanizado que em vez de dizer outrossim, diz outroyes. O amor chega sem ser pressentido e sai fazendo aquele quebra-quebra. Quando você estiver dando com os burros n`água procure se aliar aos burros secos”.
Todas essas frases geniais e aparentemente desconexas tem algo em comum: o autor. Foram escritas por Millôr Fernandes, que completaria 100 anos agora em agosto de 2023. Cartunista, jornalista, cronista, dramaturgo, roteirista, tradutor, poeta e artista gráfico. Dentre os vários talentos, o maior era a capacidade de sintetizar ideias em frases curtas e geniais. Parafraseando os Raimundos, pode-se dizer que “Millôr era um homem de frases”.
Sobre a vida dizia: “a verdade é que na vida nos dão muito enredo e muito pouco tempo”. Brincava dizendo que uma pessoa que não beba, não fume, faça uma hora diária de exercício, coma com moderação e durma oito horas por dia vai viver chateadíssimo, mas vai morrer vendendo saúde. Completava o raciocínio dizendo que há moribundos de um dia, mas também os de uma vida inteira.
Sobre a morte afirmava que a vantagem de morrer moço é que se economiza muitos anos de velhice. Economizou pouco, pois contava com 87 anos na data de seu falecimento. Apesar de todo o meio cultural brasileiro lamentar a sua perda e render-lhe homenagens, o escritor previamente recusou a todas. Escreveu que na sua morte somente acreditaria na sinceridade de uma homenagem: o agente funerário não cobrar-lhe o enterro. Millôr é um daqueles intelectuais que deveriam viver para sempre, mas como ele mesmo escreveu, o mal da vida é que todo mundo tem onde cair morto, e só se morre uma vez, mas é para sempre.
Por Marcelo Harger