A Constituição Federal assegura aos acusados garantias como: imparcialidade do juiz, impossibilidade de aplicação de penas antes do fim do processo, presunção de inocência, direito ao silêncio e proibição de provas ilícitas.
O leitor pode ter a impressão de que esses direitos são simples e óbvios. A verdade, no entanto, é diametralmente oposta. Centenas de anos foram necessários para atingirmos essas conquistas. Milhares de pessoas morreram para outras obtê-las, e a história do direito demonstra que, sempre que as garantias individuais são desprezadas, pessoas inocentes sofrem.
Faço essas considerações porque, atualmente, a sociedade clama pela punição da corrupção. Há uma ideia latente de que tudo é possível para punir os corruptos.
O movimento foi iniciado pelo Poder Judiciário, onde alguns juízes passaram a atuar como se promotores fossem, afrontando dispositivos constitucionais que exigem a imparcialidade do juiz.
Posteriormente, surgiu a Lei da Ficha Limpa, que proíbe acusados de corrupção de se candidatarem, antes que o processo tenha se encerrado, afrontando o artigo constitucional que assegura que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença.
Em momento posterior, passou-se a defender que acusados de corrupção devem permanecer presos enquanto não confessarem seus delitos, afrontando os princípios constitucionais da presunção de inocência e do direito ao silêncio.
Recentemente, proposta de projeto de lei, oriunda do Ministério Público, pretende admitir provas ilícitas, em afronta ao dispositivo constitucional que estabelece expressamente que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos.
Certamente, é mais fácil punir quando os direitos e garantias individuais não são observados. É por esta razão que cogito propor a edição de uma lei para facilitar a punição. Ela tem apenas um artigo: todo acusado de corrupção fica automaticamente condenado. Obviamente, lei desse tipo é um absurdo jurídico, mas acaba com a hipocrisia. Caso a ideia seja abolir direitos e garantias individuais, vamos fazê-lo de uma só vez. Pelo menos, a afronta à Constituição é feita “às claras”.
Artigo originalmente publicado no Jornal A Notícia
na edição de fim de semana de 28 e 29 de março de 2015