O direito novo
Errei tudo o que disse nos últimos tempos sobre os temas jurídicos de repercussão na sociedade. Li na Constituição que o sigilo de dados é inviolável, e conclui que somente por ordem judicial se pode quebrar o sigilo bancário. O Supremo Tribunal Federal disse o contrário. Permitiu que a Receita Federal solicite diretamente informações aos bancos.
Li na Constituição Federal que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e afirmei que a prisão somente pode ocorrer ao fim do processo criminal. O Supremo Tribunal Federal decidiu que não é assim.
Pensei que acertaria no caso do impeachment. Li na Constituição que, em caso de crime de responsabilidade, a condenação consiste na “perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”. Depois de ler o texto conclui que o haveria dois resultados possíveis para o impeachment. O primeiro seria a absolvição. O segundo a cumulação de perda do cargo e inabilitação para o exercício da função pública. Como se sabe, errei novamente.
Agora, leio na Constituição que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, e concluo que as provas ilegais não valem. Há, no entanto, em trâmite um projeto de lei que admite as provas ilícitas quando forem obtidas de boa fé. Tenho medo de responder sobre a constitucionalidade do dito projeto, porque é provável que erre novamente.
Felizmente não sou só eu. Há professores de Direito Penal e de Direito Constitucional que estão desistindo de lecionar por vergonha dos alunos. Sentem-se estúpidos por dizerem uma coisa que é desmentida diariamente pelo noticiário.
A técnica jurídica apreendida em longas horas de estudo na graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado tornou-se inútil. Foi substituída pelo “voluntarismo decisional”. Parafraseando Glauber Rocha, basta um princípio na mão e uma ideia na cabeça para que se decida do jeito que se quiser. É o direito novo e ele dispensa a Constituição.