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Manoel de oliveira franco sobrinho e o processo administrativo

 

 

Marcelo Harger

                                  

O processo administrativo sempre foi tratado pela doutrina com um certo desdém. Os processualistas civis normalmente afirmavam que perante a Administração Pública somente existia procedimento e à ele comumente se referiam acrescendo o adjetivo “mero”.

                            Essa situação passou a se alterar após a Constituição de 1988, que estendeu ao processo administrativo expressamente as garantias do contraditório e da ampla defesa (art.5°, LV). Inicialmente surgiram alguns trabalhos isolados acerca do tema. Somente após a edição da lei 9.784/99, que disciplinou o processo administrativo perante a União Federal, é que o tema passou a ser objeto de um maior número de estudos.

                            A recente preocupação doutrinária com o tema, contudo, não significa que anteriormente à Constituição de 1988 o processo administrativo carecesse de importância. A preocupação em garantir os direitos dos administrados em face da Administração Pública sempre foi a tônica do Direito Administrativo. Nesse contexto, o processo administrativo sempre surgiu como instrumento destinado à manutenção dessas garantias.

                         A importância já havia sido notada pelo ilustre professor paranaense Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, recentemente falecido, na obra intitulada Introdução ao Direito Processual Administrativo, na qual o autor manifestava o desejo de encontrar uma fórmula que permitisse “ao Estado cumprir seus fins essenciais sem quebra do respeito pelo exercício pleno dos direitos consagrados” . A solução para o dilema, segundo o autor, seria disciplinar por intermédio de lei o processo administrativo.

                            Essa obra, escrita em 1971, até hoje serve de referência para qualquer jurista que pretenda estudar o processo administrativo. Na realidade, até a edição da lei federal 9.784/99 somente existiam no Brasil dois trabalhos tratando do processo administrativo de modo abrangente, sendo um deles o escrito pelo professor paranaenses.

                            A obra, embora marcada pela época em que foi escrita, surpreende pela preocupação demonstrada em responder questões que até hoje afligem os administrativistas. Problemas como o equacionamento entre o dever de eficiência da Administração e a manutenção da igualdade entre os administrados já eram apontados pelo autor:  

“No interesse da administração e dos administrados, cabe investigar como podemos possibilitar organização mais eficiente, na qual o conflito de vontades não desiguale posições que devem ser iguais para equilíbrio da ordem jurídica.

Cabe ainda perquerir como podemos acelerar os processos administrativos e tomada de decisão num contexto jurídico sabidamente multiforme, cheio de resistências e praxes pertubadoras, eivado de vícios e limitações burocráticas.”

                            A subordinação dos agentes administrativos aos princípios de direito também já era postulada pelo professor paranaense:  

“Está evidente que permanecem lacunas no ordenamento administrativo: em tais casos o equacionamento jurídico só pode encontrar solução nos princípios gerais do Direito e não no arbítrio da Administração com a prática de atos discricionários.

Ninguém ignora que o exercício do poder administrativo resulta em efeitos de direito, efeitos jurídicos em razão do ato revelado, não cabendo à Administração atuar livre ou em discordância com princípios gerais do direito, que a inspiram e limitam.”

                            Em obra posterior, intitulada A Prova no Processo Administrativo o autor retoma o tema. Nessa obra, o autor segue a mesma linha da anterior, procurando garantir aos administrados a mais ampla defesa no processo administrativo. Afirma que o direito de “provar o alegado, no sentido amplo da defesa administrativa, resulta virtualmente de um conceito capital de direito, considerando que o poder de mando não é autoritário”.

                            Defende o autor o direito à produção de provas como inerente ao direito de defesa:

“A regra, no processo, que exige a prova, ou a defesa, é regra de validez universal: não incompatibiliza jamais a Administração, porque é regra que envolve toda a noção de procedimento e processo, permitindo o quanto possível, a igualdade das partes litigantes.”

                            Mais adiante, afirma ainda:

“Há elementos que integram a garantia de defesa e que não podem ser simplesmente ignorados, pois a participação do administrado torna inconfundível o litígio, por onde se pressupõe o direito de ser ouvido, justificando assim a natureza da relação processual.

Na fase instrutória, a garantia corresponde a alguns aspectos peculiares ao processo em geral, como o da publicidade em torno do pretendido, o conhecimento do que no processo administrativo se contém e o da oportunidade de apresentar razões contestadoras do ato impugnado”.

 

                           Segundo o autor, o direito à produção de provas no processo administrativo é amplo: 

“Afirmamos, inclusive perante a Administração, sobretudo no processo administrativo, porque no terreno das regras legais, a prova deve corresponder a um valor demonstrativo, tanto em matéria civil como nos demais diversos ramos práticos da ciência do direito.

Está claro que todos os meios de prova resultam indispensáveis e usados podem ser segundo as circunstâncias e a natureza do processo, não obstante a força probatória diferir no civil e no administrativo em razão do elemento de convicção, de avaliação ou de apreciação, de vez que no administrativo os documentos escritos constituem ato material cujo alcance poder-se-á juridicamente determinar”.

                            A análise das provas, por sua vez, é que deverá conduzir o agente público na elaboração de sua decisão:

“Indubitavelmente, no processo administrativo, não se decide apenas por convicção, mas se decide também pela persuasão, como resultado do exame jurídico e material, das provas apresentadas.

Esse o motivo, do porque a prova indiciária não ter acolhida no Direito Administrativo, onde os elementos se apóiam na maioria dos casos, sobre atos que resultam imprecisos na definição da vontade administrativa, tão somente porque se podem suceder habitualmente, mas que sucedendo habitualmente não asseguram direitos.” 

 

As teses defendidas há quase 30 anos pelo mestre paranaense foram incorporadas pelo direito positivo brasileiro com a edição da lei 9.784/99. Atualmente as garantias dos administrados estão positivadas. O trabalho interpretativo da Constituição e do Estado de Direito por ele realizado não foi em vão.

 

                            Essa constatação tenho certeza que servirá de inspiração para todos aqueles estudiosos que lutam pela construção de um direito público mais democrático. Não se pode desanimar, pois teses que hoje ainda encontram certa resistência seguramente serão aceitas no futuro. Pode ser que também demore 30 anos e isso somente tornará a vitória mais gloriosa. O exemplo existe e deve ser seguido.

 

 

Referências Bibliográficas

 

 

Sobrinho, Manoel de Oliveira Franco. A prova no Processo Administrativo. s.l.;s.e.;s.d.

Sobrinho, Manoel de Oliveira Franco. Introdução ao Direito Processual

Administrativo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1971

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Introdução ao Direito Processual Administrativo, p. 01

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Op. cit., p. 105 a 107

A outra obra mencionada trata-se do escrito de Alberto Pinheiro Xavier editado em 1976 e intitulado Do Procedimento Administrativo.

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Introdução ao Direito Processual Administrativo, p. 01-02.

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Introdução ao Direito Processual Administrativo, p. 01-02

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. A Prova no Processo Administrativo, p. 15

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. A Prova no Processo Administrativo, p. 28

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. A Prova no Processo Administrativo, p. 29

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. A Prova no Processo Administrativo, p. 42

 Idem, pág. 42

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