A indepedência do magistrado e o desvio de poder nos atos jurisdicionais
1- Introdução:
O meio jurídico brasileiro já há algum tempo tem assistido debates acerca das súmulas vinculantes. Nota-se, claramente, a existência de duas correntes opostas, uma a favor e outra contra a adoção das referidas súmulas. Os partidários desta segunda tese utilizam como argumento principal a liberdade de convencimento do juiz.
O objetivo do presente trabalho é analisar perante o ordenamento jurídico brasileiro atual os contornos do princípio do livre convencimento do juiz. Procurar-se-á analisar, dentro desse tema, mais especificamente a seguinte questão: pode o magistrado brasileiro, perante o ordenamento jurídico atual, concordar com uma certa tese, mas não respaldá-la em sua sentença devido à existência de jurisprudência dominante contrária à referida tese?
Desde logo adiantamos que a resposta à pergunta formulada é “não”. Passaremos a demonstrar as razões de nossa afirmação.
2- Os juízes como agentes públicos:
A doutrina confere às pessoas físicas que atuam
“A expressão agentes públicos tem sentido amplo. Significa o conjunto de pessoas, que a qualquer título, exercem uma função pública como prepostos do Estado. Essa função, é mister que se diga, pode ser remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica. O que é certo é, quando atuam no mundo jurídico, tais agentes estão de alguma forma vinculados ao Poder Público. Com se sabe, o Estado só se faz presente através de pessoas físicas que em seu nome manifestam determinada vontade, e é por isso que essa manifestação volitiva acaba por ser imputada ao próprio Estado. São todas essas pessoas físicas que constituem os agentes públicos.”(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 447)
Esse também é o conceito legal de agente público, de acordo com o art. 2° da lei 8.429/92 que dispõe:
“Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”
A análise dos conceitos expostos nos permite concluir que os integrantes do poder judiciário estão contidos dentro da categoria dos agentes públicos.
Essa constatação é bastante importante, pois conforme assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, “a noção de agente público não é construção sistemática de caráter meramente acadêmico, mas tem repercussão no ordenamento jurídico positivo”. É que a inclusão dos membros do poder judiciário dentro da categoria dos agentes públicos implica submetê-los a um regime jurídico específico, que muito difere do regime aplicável aos demais sujeitos de direito.
Fazemos essa afirmação porque os agentes públicos exercem função. Esse termo, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello designa “um tipo de situação jurídica em que existe, previamente assinalada por um comando normativo, uma finalidade a cumprir e que deve ser obrigatoriamente atendida por alguém, mas no interesse de outrém, sendo que, este sujeito – o obrigado- para desincumbir-se de tal dever, necessita manejar poderes indispensáveis à satisfação do interesse alheio que está a seu cargo prover. Daí, uma distinção clara entre a função e a faculdade ou o direito que alguém exercita
Não há, portanto, autonomia da vontade por ocasião do exercício da função. A esse respeito Celso Antônio Bandeira de Mello afirma o seguinte:
“Onde há função, pelo contrário, não há autonomia da vontade, nem a liberdade em que se expressa, nem a autodeterminação da finalidade a ser buscada, nem a procura de interesses próprios, pessoais. Há adscrição a uma finalidade previamente estabelecida e, no caso de função pública, há submissão da vontade ao escopo pré-traçado na Constituição ou na lei e há o dever de bem curar um interesse alheio que, no caso, é o interesse público; vale dizer, da coletividade como um todo e não da entidade governamental em si mesma considerada".
Há uma razão bastante clara para isso é que “o eixo metodológico do Direito Público não gira em torno da idéia de poder, mas gira em torno da idéia de dever”. É que o agente público exerce competência.
“A expressão competência é usada no Direito com intenção muito definida. Significa-se, com ela, o poder conferido pelo ordenamento, cujo exercício só é lícito se realizado: a) pelo sujeito previsto; b) sobre o território sob sua jurisdição; c) em relação às matérias indicadas na norma; d) no momento adequado; e) à vista da ocorrência dos fatos indicados na norma; e, especialmente f) para atingir a finalidade que levou à outorga do poder. Em outras palavras, a competência é um poder intensamente condicionado".
Celso Antônio Bandeira de Mello, complementa a noção de
“a) de exercício obrigatório para os órgãos e agentes públicos. Vale dizer: exercitá-las não é questão entregue à livre decisão de quem as titularize. Não está em pauta um problema “pessoal” do sujeito, ao qual ele possa dar a solução que mais lhe apraz. Está sotoposto ao dever jurídico de atender à finalidade legal e, pois, de deflagrar os poderes requeridos para tanto sempre que presentes os pressupostos de seu desencadeamento;
b) irrenunciáveis, significando isto que seu titular não pode abrir mão delas enquanto as titularizar;
c) intransferíveis, vale dizer, não podem ser objeto de transação, de tal sorte que descaberia repassá-las a outrem, cabendo, tão-somente, nos casos previstos em lei, delegação de seu exercício, sem que o delegante, portanto, perca, com isto, a possibilidade de retomar-lhes o exercício, retirando-o do delegado;
d) imodificáveis pela vontade do próprio titular, o qual, pois, não pode dilatá-las ou restringi-las, pois sua compostura é a que decorre de lei. A lei pode, contudo, admitir hipóteses de avocação. Esta é a episódica absorção, pelo superior, de parte da competência de um subordinado, ainda assim restrita a determinada matéria e somente nos casos previstos em lei;
e) imprescritíveis, isto é, inocorrendo hipóteses de sua utilização, não importa por quanto tempo, nem por isto deixarão de persistir existindo”.
Verifica-se, assim, que os agentes públicos recebem certos poderes para exercer certos deveres e que são extremamente condicionados no exercício de suas atividades. Os magistrados, como integrantes dessa categoria, no exercício de suas funções, também se submetem às restrições trazidas pela regra que lhes atribui competência. Isso significa dizer que os juizes não têm o direito de julgar, mas sim competência para fazê-lo e somente podem exercitar sua atividade nos estritos limites estabelecidos pela lei.
A função jurisdicional e a independência dos magistrados:
Remonta a Monstequieu a separação das funções estatais em três atividades básicas: a executiva, a legislativa e a judicial. Todas essas três funções têm os seus contornos traçados pelo ordenamento jurídico. É assim que tanto o administrador, quanto o legislador e o magistrado submetem-se às leis. A submissão, no entanto, é maior ou menor de acordo com a atividade exercida.
O administrador tem a submissão extrema, pois a ele somente é dado atuar de acordo com a estrita legalidade. O legislador, por sua vez, possuí um âmbito maior de liberdade, já que a este é dado inovar originariamente o ordenamento jurídico, podendo até mesmo alterar as leis e ficando submetido apenas à Constituição. Ao magistrado é dado o poder de dizer em instância final qual o conteúdo de uma certa lei e de averiguar se esta é constitucional. Isso lhe confere também uma maior liberdade.
Essa liberdade, contudo, é limitada, pois conforme já se afirmou antes os agentes públicos exercem função . É que o Estado, ao assumir para si o exercício dessas funções, assumiu também o ônus de desempenhá-las a contento e de acordo com o interesse da coletividade.
Em relação ao caso específico da função jurisdicional, pode-se dizer que a substituição da justiça privada por uma justiça oficial trouxe para o Estado o dever de definir o direito aplicável ao caso concreto e de aplicá-lo coativamente se necessário. Há um “um poder-dever de prestar a tutela jurisdicional a todo cidadão que tenha uma pretensão resistida por outrem, inclusive por parte de algum agente do próprio Poder Público”.
O modo de garantir o correto exercício desse poder-dever é assegurar a independência dos magistrados no exercício de suas funções. Não há no contexto de um Estado Democrático de Direito quem sustente que a magistratura não necessite de independência para exercer o seu mister. A existência de uma concordância teórica quanto a esse tema não impede um certo distanciamento entre a teoria e a prática. Dalmo de Abreu Dallari aponta vários obstáculos à independência do poder judiciário e elenca como um deles a postura da própria magistratura. Afirma o referido autor o seguinte:
“4º) Entre os inimigos da independência da magistratura estão os próprios magistrados que, por ações e omissões, renunciam à sua independência. Isso tem ocorrido de muitas formas, de modo claro ou sob a invocação de argumentos aparentemente razoáveis, chegando em certos casos a adquirir conotações de verdadeira cumplicidade em iniciativas contra a magistratura.”(Dallari, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, p. 51
Mais adiante, o mesmo autor aponta casos em que a própria magistratura renúncia à sua independência. Afirma o referido autor:
“Há renúncia explícita à independência quando o magistrado pratica atos judiciais acolhendo e aplicando regras legais ou ordens de autoridades manifestante inconstitucionais ou ilegais, alegando que contra a força não há resistência possível e que seria quixotesco proferir decisões que não terão eficácia, porque os poderosos do dia não permitirão. Com essa colaboração dos juízes, as autoridades arbitrárias são poupadas do trabalho de negar cumprimento à decisão de um tribunal e do desgaste que isso, certamente, acarretaria.
Foi desse modo que a magistratura alemã acobertou as violências do nazismo, que possivelmente não teriam tido curso tão fácil se os juízes tivessem resistido às primeiras investidas inconstitucionais contra os opositores do governo e as instituições democráticas. Foi assim também que as magistraturas da América Latina deram apoio às atrocidades e à corrupção praticadas pelas ditaduras militares que tomaram o poder a partir da década de sessenta. Os desaparecidos, os assassinados em cárceres políticos, os torturados, os seqüestrados, os presos arbitrariamente, os que tiveram invadido seu domicílio, os que se exilaram na iminência de serem assassinados ou presos por motivos políticos, os banidos, os expulsos ilegalmente de seus cargos e de suas funções públicas, as vítimas das muitas violências não existiriam ou seriam um número muito menor se a magistratura, por muitos de seus membros, tivesse resistido, como alguns resistiram.
A magistratura brasileira que durante aquele período ajudou agredir a Constituição, dando precedência aos atos institucionais, aos estados de exceção e às razões de segurança nacional, subtendo-se docilmente aos agentes do arbítrio e mantendo com eles convivência amistosa, renunciou à sua independência e foi cúmplice na prática de injustiças. Essa mesma renúncia e essa mesma cumplicidade estão presentes quando, livre da coação militar, a magistratura admite ‘inconstitucionalidades convenientes’, sob pretexto de evitar conflitos sociais ou de ser necessária uma regulamentação para o uso de direitos claramente assegurados pela Constituição ou, ainda, pelo cuidado de não criar dificuldades para o governo. Dobrando-se às conveniências dos economicamente fortes ou dos governantes, a magistratura é, uma vez mais, inimiga de sua independência.” (Dallari, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, p. 52 e 53)
Ocorre que a independência não pode ser renunciada. Fazemos essa afirmação com base nas considerações dantes expostas, de que os magistrados exercem função. Procurando sintetizar os ensinamentos já transcritos sobre o regime jurídico dos agentes públicos e aplicando-os aos magistrados, podemos afirmar o seguinte:
a-) o ordenamento jurídico confere aos membros do poder judiciário o dever-poder de aplicar a lei ao caso concreto solucionando definitivamente certos litígios;
b-) para que possa bem desempenhar esse objetivo, o ordenamento jurídico confere aos magistrados certas prerrogativas, dentre as quais se insere à independência;
c-) essas prerrogativas não podem ser renunciadas, porque os juízes não possuem o direito subjetivo de julgar, mas sim competência para tanto;
d-) o conjunto de deveres e poderes conferidos aos magistrados pela regra de competência é irrenunciável.
Essa é a razão pela qual Dalmo de Abreu Dallari afirma que “a rigor, pode-se afirmar que os juízes têm a obrigação de defender sua independência, pois sem esta a atividade jurisdicional pode, facilmente, ser reduzida a uma farsa, uma fachada nobre para ocultar do povo a realidade das discriminações das injustiças”.
O princípio do livre convencimento e a independência do poder judiciário
O ordenamento jurídico brasileiro, como forma de assegurar a independência do julgador por ocasião da elaboração de suas decisões, consagrou o princípio do livre convencimento motivado.
É assim que o art. 131 do CPC dispôs:
“Art. 131. O juiz apreciará livremente aprova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não legados pelas partes; mas deverá indicar na, sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”
De acordo com o referido dispositivo o juiz tem liberdade ao apreciar a prova, mas deve motivar suas decisões demonstrando as razões do juízo de valor que emite por ocasião da sentença. É que “a liberdade judicial tem limites. Não se pode admitir discricionariedade e/ou arbitrariedade, como no exemplo do juiz de Rebelais, que decidia jogando dados” . “O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e racionais (CPC, arts. 131 e 436; CPP, arts. 157 e 182).
Essa liberdade de convicção, porém, não equivale à sua formação arbitrária: o convencimento deve ser motivado (Const., art. 93, inc. IX; CPP, art. 381, inc. 111; CPC, arts. 131, 165 e 458, inc. II), não podendo o juiz desprezar as regras legais porventura existentes (CPC, art. 334, inc. IV; CPP, arts. 158 e 167) e as máximas de experiência (CPC, art. 335)”
Isso significa dizer que ao formar o seu juízo de valor acerca dos fatos que lhe são expostos e do direito aplicável ao caso o juiz possui uma certa liberdade. Essa liberdade, contudo, cessa a partir do momento em que o magistrado firma o seu convencimento. Formado o seu juízo de valor, o magistrado não pode dele abdicar.
A existência de jurisprudência contrária ao entendimento de um magistrado, não o autoriza a abdicar de sua convicção. Isso ocorre porque julgar de acordo com o livre convencimento não é um poder do magistrado. É, na realidade, um dever.
Esse dever não deixa de existir em virtude do excesso de causas em trâmite no poder judiciário. Decidir contrariamente à íntima convicção, sob o argumento de que a prolação de decisões contrárias à corrente jurisprudencial dominante apenas acarreta um trabalho desnecessário ao judiciário, tornando a justiça menos célere é trocar o acessório pelo principal. É colocar a celeridade do processo acima do dever de o juiz proferir decisões justas. É colocar um interesse secundário como preponderante em relação ao interesse primário do Estado. É sobrepor o interesse do próprio judiciário ao interesse da sociedade. Essa sobreposição é vedada e isso torna as decisões assim proferidas nulas em virtude de desvio de poder.
Desvio de poder nos atos judiciais.
O desvio de poder há muito é estudado pelo direito administrativo. Ele consiste num mau uso da competência. O agente público utiliza sua competência para atingir um fim diverso daquele para o qual ela foi atribuída.
É que “cada ato expressivo de uma competência traz insculpido em si um destino correspondente àquela competência. Ora, cada competência só pode ser exercitada para alvejar os fins em vista dos quais foi normativamente instituída; donde, os atos consectários de uma competência não podem ser expedidos senão para atender às finalidades a ela inerentes”.
A doutrina comumente menciona duas modalidades de desvio de poder, que assim são sintetizadas por Celso Antônio Bandeira de Mello:
“a) quando o agente busca uma finalidade alheia ao interesse público. Isto sucede ao pretender usar de seus poderes para prejudicar um inimigo ou para beneficiar a si próprio ou amigo.
b) quando o agente busca uma finalidade – ainda que de interesse público – alheia à “categoria” do ato que utilizou. Deveras, consoante advertiu o preclaro Seabra Fagundes: “Nada importa que a diferente finalidade com que tenha agido seja moralmente lícita. Mesmo moralizada e justa, o ato será inválido por divergir da orientação legal”.
Ambas as modalidades mencionadas podem ser encontradas nos atos judiciais. É que, embora seja construída em torno de conceitos de direito administrativo, a teoria do desvio de poder é plenamente aplicável aos atos praticados pelos demais poderes. Essa teoria aplica-se aos agentes públicos que exorbitem de suas competências, exercitando os poderes que o ordenamento jurídico lhes confere para atingir fins estranhos aos estabelecidos na regra de competência. Esse também é o entendimento de Caio Tácito ao afirmar que “tanto o desvio de poder legislativo, como o desvio de poder jurisdicional, se podem caracterizar na medida em que o legislador ou o juiz destoem, de forma manifesta, do âmbito de seus poderes que, embora de reconhecida amplitude, não são ilimitados e atendem a fins que lhe são próprios e definidos”.
Isso significa dizer que sempre que o fim perseguido em uma decisão judicial for alheio ao interesse público de prestar uma justa solução ao litígio, o ato será viciado.
A hipótese de abdicar do dever de decidir de acordo com o livre convencimento, em virtude da existência de jurisprudência contrária ao entendimento do julgador, enquadra-se na segunda hipótese de desvio de poder mencionada por Celso Antônio Bandeira de Mello. É que o magistrado recebe o dever-poder de decidir os litígios de acordo com a sua consciência e não pode dele abdicar em nome de qualquer outro fim, ainda que esse fim vise a atender em alguma medida o interesse público. A conseqüência prática é que os atos assim praticados serão nulos por desvio de poder.
Conclusão
Demonstra-se, assim que o juiz tem o dever de decidir de acordo com a sua consciência e que, caso não o faça, as decisões por ele proferidas serão nulas.
Poder-se-ia indagar qual a razão para tanto celeuma, eis que para escapar do vício do desvio de poder basta ao magistrado não dar notícia de sua íntima convicção, quando sentenciar em desacordo com ela.
A essa indagação responde-se que o presente trabalho serve no mínimo com um lembrete aos magistrados. Um lembrete feito há muito por Sócrates de que “o juiz não toma assento para dispensar o favor da justiça, mas para julgar; ele não jurou favorecer a quem bem lhe pareça, mas julgar segundo as leis”. Uma lembrança sobre o correto exercício da função de julgar, que de acordo com Carlos Maximiliano exige “são e ardente sentir, grandeza d’alma, tato, simpatia”. Ensinava, ainda o mesmo mestre que a ação inovadora da jurisprudência sempre faz-se sentir nos tribunais inferiores, pois “vêem estes de mais perto os interesses e os desejos dos que recorrem à justiça: uma jurisdição demasiado elevada não é apta a perceber rápida e nitidamente a corrente das realidades sociais. A nova lei vem de cima; as boas jurisprudências fazem-se embaixo”.
Carlos Maximiliano afirmava, ainda que “os julgados constituem bons auxiliares de exegese, quando manuseados criteriosamente, criticados, comparados, examinados à luz dos princípios, com os livros de doutrina, com as exposições sistemáticas do Direito
É por isso que o mesmo autor ensinava “que o julgado, para constituir precedente, vale sobretudo pela motivação respectiva; o argumento científico tem mais peso do que o de autoridade”.
Concluía Carlos Maximiliano fazendo um alerta em relação à subserviência dos magistrados:
“Aos magistrados que acham meritório não ter as suas sentenças reformadas (prova apenas de subserviência intelectual) e seguem, por isso, de modo absoluto e exclusivo, a orientação ministrada pelos acórdãos dos tribunais superiores, Pessina recorda o verso de Horácio: os demasiado cautos e temerosos da procela não se alteiam ao prestígio, nem à glória: arrastam-se pela terra, como serpentes – serpit humi tutus nimium timidusque procelloe”.
É essa a conclusão a que se pretendia chegar. A de que os magistrados devem assumir a responsabilidade pela elaboração de suas sentenças. Se querem ser subservientes, que o sejam e acatem calados as decisões dos tribunais superiores. Se compactuam com as decisões dos tribunais superiores, que reconheçam expressamente essa realidade.
Essa, contudo, não é atitude que esperamos, pois queremos uma magistratura independente e disposta a defender sua independência em nome do ideal maior de justiça. Essa magistratura não dá gritos tímidos de inconformismo no momento em que acata decisões estapafúrdias. Age diferente. Utiliza o dever-poder que o ordenamento jurídico lhe confere e combate esses equívocos com as suas decisões. Essa luta muitas vezes é inglória, mas pior do que perder a batalha é perecer sem nem mesmo ter lutado.