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A importância do processo administrativo

Marcelo Harger

 

 

O Direito Administrativo, desde sua origem, como o Direito Público em geral, apresenta um duplo aspecto. De um lado, visa a manutenção da autoridade do Poder Público. De outro, procura garantir o respeito às liberdades dos cidadãos por parte desse mesmo poder.

No decorrer da evolução do Direito Administrativo, esses dois aspectos variaram, havendo predomínio ora de um ora de outro aspecto. O que importa ressaltar a esse respeito é que, no período de evolução do chamado Estado-Polícia até o atual Estado Democrático de Direito, as garantias dos cidadãos foram assumindo um grau cada vez maior de importância. É assim que, enquanto no primeiro a Administração Pública não estava vinculada a qualquer tipo de norma que limitasse a sua atividade, pois o “príncipe” era o senhor absoluto do interesse público, no segundo a atividade administrativa do Estado passa a ser exercida somente de acordo com a lei. É nesse momento que assume relevância a questão do procedimento administrativo como forma de garantia dos interesses dos administrados e de uma Administração Pública mais clarividente.

Isso ocorre porque na época do Estado de Polícia o problema não se punha. É que o “príncipe”, como senhor do interesse público, não estava subordinado a qualquer norma. Imperava o arbítrio, entendido como a ausência de limitações legais. O Estado de Direito veio pôr fim a esta situação. A partir desse momento, o Estado passou a ter sua atividade limitada pelas leis. Essa foi a grande novidade do novo modelo. Agora, não somente os indivíduos devem respeito à lei, mas a própria Administração Pública passa a ter a sua atividade inteiramente vinculada aos ditames legais.

O novo modelo tem suas raízes no pensamento de Rousseau e Montesquieu. O primeiro sustenta a soberania popular, que retira do princípe o poder divino e dá base à atual idéia de democracia. O segundo, partindo do pressuposto que todo aquele que detém o poder tende a abusar dele, estipula um mecanismo de freios e contrapesos para evitar os abusos, pelo qual aquele que faz as leis não deve julgá-las nem executá-las; aquele que executa as leis não deve julgá-las nem fazê-las; e aquele que julga as leis não deve executá-las nem fazê-las. É assim que surgem as noções de poder executivo (aquele que executa as leis), legislativo (aquele que elabora as leis) e judiciário (aquele que julga) e com elas as noções de processo administrativo, processo legislativo e processo judicial, da maneira como os concebemos nos dias de hoje.

Essa nova concepção da organização estatal vem trazer uma contribuição bastante importante para o Direito Administrativo, que é o conceito de administração legal. A partir desse momento, a atividade administrativa passa a dever obediência à lei e aos interesses dos indivíduos que, com o seu consentimento, dão origem ao poder estatal. Mas a relação da Administração com a lei é bastante diferente daquela entre a lei e o particular. É que, enquanto o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, a Administração somente pode fazer aquilo que a lei permite. De um lado, uma relação de não contradição que tem como pressuposto a autonomia da vontade. De outro, uma relação de subsunção que é associada à idéia de função, pois os agentes públicos não podem deixar de satisfazer os interesses cuja tutela lhes foi conferida pela lei.

É em torno dessa idéia de função que vai se desenvolver todo o Direito Público e, em especial, o Direito Administrativo. Mas o que é uma função para o Direito? Função é uma situação jurídica, criada em lei, onde se estabelece para alguém o dever de atingir uma certa finalidade no interesse de outrem. Para o fiel cumprimento dessa finalidade, o responsável necessita utilizar certos poderes indispensáveis à realização da tarefa que lhe foi conferida.

Verifica-se que a função tem um caráter meramente instrumental. Atinge esse fim fundado nesta norma, no dizer de Queiró. Há uma finalidade a ser cumprida que deve ser atingida de acordo com o disposto na norma que estabelece a função. Para que essa finalidade possa ser atingida, são atribuídos ao encarregado da função certos poderes que somente podem ser utilizados na direção estabelecida pela norma. Há, portanto, um dever-poder no exercício da função.

No desempenho desses poderes, a Administração acaba por se encontrar em uma situação sui generis, pois, ao mesmo tempo em que assume uma posição de superioridade diante dos administrados, como órgão responsável pela aplicação das leis para o atingimento das necessidades coletivas, fica subordinada à lei e ao controle judicial de seus atos.

No âmbito desse contexto, insere-se o processo administrativo, tema que vem ganhando cada vez mais importância dentro do direito administrativo. É que, nas últimas décadas, o Estado tem aumentado a sua ingerência nas mais diversas áreas da vida social e assumido atribuições que antes não possuía. Isso ocasionou uma atividade administrativa mais intensa e diversificada do que a existente anteriormente. Com a ampliação da área de atuação da Administração Pública, surgiu a necessidade de uma maior observância dos aspectos procedimentais para garantir o controle dos atos administrativos, alçando o tema do processo administrativo a um novo patamar.

O eterno conflito entre as prerrogativas da Administração Pública e os direitos dos administrados passa a ser visto sob uma nova ótica que confere um caráter mais democrático e transparente à atuação do Poder Público. Essa nova postura é o reflexo da noção de função aplicada ao Direito Administrativo.

É que o caráter funcional da atividade administrativa implica, necessariamente, a utilização de um iter que demonstre que a decisão administrativa proferida cumpre a finalidade prevista pela norma. Reduz-se, com isso, a possibilidade, ao administrador, de emanar atos baseados unicamente em critérios subjetivos e irracionais. Desse modo, torna-se possível manter o equilíbrio do binômio liberdade (dos administrados) e autoridade (do poder público). Mas o atingimento da finalidade prevista na norma não é suficiente. Deve-se atingir a finalidade através do modus procedendi previsto para tanto. É mediante o devido processo legal que se asseguram as garantias dos administrados. Não basta a prévia delimitação das finalidades a serem perseguidas pelo Estado. É necessária, também, a observância de meios e formas adequados para alcançá-las.

Verifica-se, então, a importância que passa a assumir o processo administrativo para a sociedade contemporânea. É que somente se podem alcançar os objetivos do Estado de Direito pela processualização da atividade administrativa. Esse é o único meio de assegurar a obediência da Administração Pública às finalidades legais e de permitir o controle da atividade dos agentes públicos pelo Judiciário e pelos cidadãos (por exemplo, por meio da ação popular). Somente desse modo é que se pode controlar a atuação administrativa em sua dinâmica. Há uma modificação da postura original pela qual a atividade dos particulares sofria a intervenção do poder público. Os indivíduos passam a interferir na atuação dos agentes públicos para garantir que estes observem as disposições legais.

Entretanto, a relevância do processo administrativo extrapola os limites da dimensão da atividade administrativa, pois serve, também, de meio para legitimar o próprio exercício do Poder. É que o caráter funcional da atividade administrativa implica a impossibilidade de utilização do Poder de modo opressivo. Isso demonstra a relevância dos diversos passos que levam à decisão final para a legitimação da atividade administrativa in concreto.

A análise realizada evidencia que a importância do processo administrativo sobressai pelos seguintes aspectos:

 

a-) possibilita o controle da atividade da administração pelos particulares e pelo judiciário;

 

b-) permite uma administração mais clarividente;

 

c-) resguarda os administrados contra atitudes arbitrárias por parte do Poder Público;

 

d-) legitima a atividade administrativa.

 

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